Um convite a prática de Ecodarma, por Nathalia Manso
Como a liderança facilitadora pode ajudar a contar novas histórias nas organizações?- Por Patrizia Bittencourt
Lideranças Regenerativas
Como a liderança facilitadora pode ajudar a contar novas histórias nas organizações?
Por Patrizia Bittencourt (cuidadoria)
“Quando deixamos de nos ver como a máquina que pensávamos que o universo era, somos estimulados a descrever o universo por meio da vida que sabemos que somos.” Margareth Wheatley
Por muito tempo, dentro das organizações, nos comportamos como máquinas, de fato, como peças de uma máquina. Nessas organizações tentamos extinguir a individualidade para honrar a eficiência e a conformidade. O controle e as métricas de desempenho mataram a nossa singularidade e nossa humanidade.
É evidente que transformações importantes aconteceram. Vencemos a escalabilidade, realizamos inovações grandiosas, aprendemos a usar recursos. Os avanços da humanidade foram enormes, embora ainda pareça que resta muito a fazer, distribuir melhor os recursos, consertar, regenerar.
Eu me interesso em conhecer as histórias das pessoas, e venho praticando essa escuta para saber como se sentem no trabalho. Faço isso na feira, na academia, na fila da vacina... Outro dia eu conversava com um rapaz que me contou que há 10 anos trabalha como vendedor de lojas de departamentos, e já passou por várias delas. Ele conta que na loja em que está trabalhando no momento, onde foi contratado há dois anos, o contrataram e o “abandonaram”: “Depois que fui contratado vejo meu chefe praticamente 1 vez a cada 3 meses, eles abandonam a gente, não conversam, apenas cobram metas. A chefia é muito ruim, dá pra ver, as pessoas não ficam mais, vão embora. Eu gosto de ser vendedor, mas desanima.”
Essa é uma das histórias que estamos contando há centenas de anos. E agora precisamos contar uma nova história.
Margareth Whitley em seu livro magistral Liderança para Tempos de Incerteza chama a atenção para uma ironia que está sendo difícil de engolir: “as organizações foram criadas para coibir a problemática da natureza humana e agora a única coisa que pode salvá-las é o pleno reconhecimento dos vastos recursos que nós, seres humanos, temos”.
Nesse momento, nós já estamos aprendendo uns com os outros, sobretudo a ir além das nossas capacidades técnicas. Estamos percebendo que elas já não são mais suficientes. É como se os avanços tecnológicos e a velocidade da comunicação tivessem nos dados a capacidade de conseguirmos fácil e mais rapidamente qualquer competência técnica necessária para darmos conta dos desafios e oportunidades. Já que a tecnologia se tornou o meio acessório e acessível, é como se o que precisássemos agora fosse ir em direção a o que é essencial, a o que importa, de fato. Sem véus, ilusões, mentiras, justificativas. Isso já está acontecendo, mas a visão está embotada, ela não é clara, há um caos que advém dessa transição, ou seja, do esforço necessário de adaptar-se a todas as mudanças.
É cada vez mais perceptível que estamos queremos atender a duas necessidades intrínsecas à natureza humana e que parecia que não nos dávamos conta delas: uma é a necessidade de conexão, as pessoas não querem fazer as coisas sozinhas, elas querem sair da solidão, querem se conectar. A outra é a necessidade de autoexpressão: as pessoas querem ser ouvidas, querem se expressar, querem mostrar as suas ideias, querem dar a sua contribuição genuína, querem sentir-se úteis e criativos.
Porque todos nós temos uma forma diferente de fazer isso. E é nessa diversidade onde há riqueza e potência. Mas é preciso acreditar nessa força. Ela é fonte de inovação, criatividade, produtividade, sucesso, resultados. E essa diversidade agora se amplia ainda mais, porque ela deixa de ter resultados unicamente da empresa, e são das pessoas também.
Que condições, que estruturas, habilidades, capacidades individuais e coletivas são necessárias para isso acontecer?
A que lugar diferente de onde estamos essas estruturas, condições, habilidades, capacidades podem nos levar?
Se começarmos nos reconhecendo uns aos outros o que temos de melhor, individual e coletivamente, a experiência pode nos levar a um novo patamar. Vamos nos relacionar melhor, nos relacionando melhor, nos comunicamos melhor; nos comunicando melhor temos mais clareza do que podemos entregar e dos nossos papeis; tendo mais clareza nos corresponsabilizamos por um propósito comum.
Fácil? Utópico? Romântico? Definitivamente não, esse é o tao da autonomia, um caminho, um processo com luzes e sombras que está se desenvolvendo em verdadeiras ilhas de prosperidade e autonomia em forma de sistemas humanos, empresas, comunidades, redes de interesses por todo o mundo. Basta estar de olhos atentos para além do que é dado e posto e já começamos a descobrir histórias incríveis de grupos de pessoas e organizações que estão experimentando novas formas de estar nas organizações, criando as suas próprias estruturas, suas próprias maneiras de se relacionarem, de criarem sentido juntos, de constituírem uma cultura coletiva.
Cada sistema humano vai criar as suas próprias perguntas de forma diversa. Pois não se trata mais de quais os modelos a seguir, mas da criação de sentido coletivo sobre quais princípios há de serem criados a partir da experiência vivenciada por cada indivíduo e cada coletivo. Cocriar as perguntas continua sendo o nosso desafio.
Tradicionalmente, nas velhas histórias, os líderes têm mais um papel de supervisão e de tomada de decisão. Há uma decisão feita e as pessoas devem fazer aquilo que foi definido no prazo estipulado chegando a resultados consistentes, vislumbrados estrategicamente antes. Espera-se conformidade e submissão, não há espaço para a autonomia. Esse líder é, muitas vezes, sobrecarregado e solitário, servindo como um tipo de “pit stop”, o time só vai a ele quando precisa de alguma coisa, de uma decisão, de uma solução a algum problema.
A nova história que queremos contar fala de um líder facilitador.
Mas que liderança facilitadora é essa? Quais os seus princípios?
Vou aqui relacionar a liderança facilitadora inspirada nos 3 princípios básicos das organizações que se auto-organizam, segundo M. Wheatley: identidade, informação e relações.
A identidade como geradora de sentido individual e coletivo: o líder facilitador sabe que não precisa fazer tudo sozinho. Ele entende que pode estar a serviço do grupo, assim não se sobrecarrega e obtém melhores resultados no tempo. Ele já internalizou que pontos críticos da liderança como manter o engajamento e o protagonismo das pessoas vai além da motivação individual, não é algo dado, mas fruto de um ambiente propício onde as pessoas conseguem se expressar na sua individualidade. Ele está voltado à cocriação em relação a um time, a um sistema, um grupo de pessoas. Nesse papel ele sabe que a identidade é a capacidade geradora de sentido da organização e ele busca o ambiente de confiança necessário para revelar essa identidade. O que é possível fazer agora que estamos juntos?
A comunicação como meio: O líder facilitador envolve as pessoas nos processos e convida a desenvolver outros processos com elas, processos que fazem mais sentido para elas. A informação sintética e relevante é usada para organizar o trabalho com transparência, dando o senso de ordem. Não se trata de saber usar as plataformas tecnológicas apenas, mas de usar informações como o meio necessário para que a colaboração aconteça. De que informações precisamos para atuarmos juntos? “Há necessidade de mais olhos e ouvidos, de que mais membros da organização ‘in-formem´ os dados disponíveis para que possa ocorrer a auto-organização. Mas é a informação – não planejada, não controlada, abundante, supérflua – que cria as condições para o surgimento de respostas rápidas, eficazes e bem integradas.
As relações como o tecido da organização: líder facilitador é qualquer pessoa do grupo que queira se desenvolver nesse papel, não tem a ver com um cargo ou posição de uma pessoa dentro de uma organização. O líder facilitador sabe que são as conexões entre as pessoas que traz inteligência para o sistema. Sem incluir as pessoas e sem interações repetidas entre elas, as pessoas se apagam, se isolam e dificilmente o sistema se desenvolve no seu potencial. São as relações que formam o tecido do sistema humano que são as organizações. O medo dá lugar ao encantamento.
Mas o que é a facilitação? Quem é o líder facilitador?
A facilitação pode ser definida como "o ato de tornar simples". O objetivo essencial da facilitação é propor, ao invés de impor, uma “estrutura de interação”. A facilitação está ligada à cocriação dessa “estrutura de interação” que cuide do lugar de cada pessoa em um processo, seja aprendizagem ou trabalho em grupo.
O líder facilitador se distingue por seu desejo contínuo de co-construir com os participantes a própria estrutura de interação na qual todos vão se expressar e trabalhar juntos. Ele está preocupado com a inteligência coletiva, mas também com as nuances específicas, como o cuidado com a atmosfera da sessão, para chegar aos propósitos do grupo.
Questionar o próprio significado do que une as pessoas está no cerne da prática do líder facilitador.
Sua prática ajuda o surgimento de processos fluidos de interação. Isso pode envolver, inclusive, a co-facilitação e os próprios grupos assumindo o controle daquilo que são chamados a experimentar. Ao co-facilitar, cada um eleva e ajuda os outros a se elevarem diante dos obstáculos relacionais que surgem quando se trata de aprender, decidir ou tomar decisões em conjunto.
A facilitação se constitui então:
- por todos os processos que são implementados antes, durante e depois de uma reunião para ajudar um grupo a atingir seus objetivos.
- pelo ato de tornar algo mais fácil, permitindo o surgimento da inteligência coletiva e da colaboração dentro dos grupos.
Nós dizemos na cuidadoria que o facilitador organiza a colaboração, ou seja, a facilitação significa obter o melhor de grupos e equipes com a ajuda de métodos de trabalho colaborativos, ferramentas de facilitação, treinamento direcionado, jogos e práticas sob a orientação de um facilitador experiente.
O líder facilitador ajuda as equipes a construir as respostas, (e muito especialmente, perguntas poderosas!) aos seus desafios de:
- usar métodos e ferramentas de trabalho
- tomar uma decisão
- planejar
- inovar em produtos ou serviços
- cuidar de problemas a resolver
- acolher as pessoas para uma conversa.
O facilitador é aquele que facilita: seja um membro da equipe, gerente, instrutor, líder ágil, consultor, facilitador certificado...
Simplificar uma reunião de planejamento usando um documento compartilhado onde todos possam contribuir e sintetizar ideias tem o seu valor. Criar um ambiente mais leve para conversas difíceis ou a mediação de um conflito é possível. Usar ferramentas simples, perguntas bem pensadas são pontos chave na facilitação. Uma reunião facilitada é mais produtiva e efetiva; uma sessão de planejamento é mais engajadora quando cocriada; um sessão de feedback pode ser uma plataforma de aprendizado; uma conversa desinteressada ou uma reunião estratégica que tenha uma estrutura mínima para acolher as pessoas, como por exemplo começar com um check-in para abrir espaço para o acolhimento de cada um faz uma enorme diferença.
Agora percebemos que a liderança facilitadora é a liderança que facilita as relações, a comunicação e a identidade de um sistema humano, desenvolvendo a inteligência do sistema como um todo. O líder facilitador apreende esses princípios a partir do que tem de melhor dentro de si, da sua capacidade de escuta e de empatia, desenhando as condições para uma comunicação transformadora entre as pessoas.
E assim, contaremos histórias que nos orgulhem nas organizações.
Cidades Selvagens, por Natália Fontes Garcia
Se Atrever a Viver a Vida, por Sergi Torres
Afirmação x Declaração, por Luana Fonseca
Qual o impacto dessa distinção em nossa vida?
Durante muito tempo vivi de acordo com um rótulo que me deram (minha família, professores, gestores…) e que eu também me dava, o rótulo de responsável. Confesso que achava até bonito esse título e me orgulhava dele. Era muito legal ser reconhecida como alguém que, desde muito nova, era responsável.
Meus pais nunca precisaram me mandar estudar porque eu mesma fazia isso. Colocava o despertador para tocar de madrugada porque gostava de estudar quando a casa estava em silêncio. E nunca precisaram me dizer coisas como: “Cuidado para não engravidar!” ou “Já está na hora de você arrumar um emprego!”, porque eu mesma tinha consciência dessas coisas e me julgava MUITO responsável.
O peso dos rótulos
Aos 18 anos, descobri uma uveíte (uma inflamação na camada média do globo ocular) e depois de uma longa bateria de exames, o médico diagnosticou que a causa era idiopática. Ou seja, desconhecida. Então ele disse que todos nós temos alguma parte do corpo que absorve tudo o que vamos acumulando: estresse, ansiedade, preocupação, etc. No meu caso, o olho. E, para minha surpresa, seu conselho foi: “Seja menos responsável! Permita-se fazer mais coisas da sua idade.” Aquilo foi incrível! Nunca imaginei que um adulto diria para uma jovem de 18 anos, algo desse tipo. Seja como for, esse episódio não mudou meu comportamento.
Anos mais tarde, a vida me trouxe uma nova oportunidade de reavaliar o título que carregava com tanto orgulho. Vivia um momento crítico. Estava no auge da minha carreira e muito infeliz no trabalho. Queria mudar completamente a rota, sem ter muita certeza de como seguir. E o tal rótulo era um grande peso. Como eu poderia, no melhor momento da minha trajetória corporativa, pedir demissão sem ter um outro emprego na manga? Que adulto faria isso? Seria muita irresponsabilidade, não seria?! Bem, minha resposta de hoje para essa pergunta é: Não! Mas naquela época não sabia o que sei agora. Eu não conhecia a diferença entre uma afirmação e uma declaração. E levava minha vida como se a declaração “sou responsável” fosse uma afirmação.
Afirmação x Declaração
Depois que criei coragem e pedi demissão, mergulhei em processos de autoconhecimento e fiz diversas formações. Dentre elas, estudei Coaching Ontológico (uma abordagem que compreende o ser humano como uma coerência entre linguagem, corpo e emoção) e foi nesse momento que consegui aliviar alguns pesos que carregava há tempos.
Quando me aprofundei no estudo da linguagem e dos atos da fala, aprendi que as afirmações seguem a realidade. Em outras palavras, elas descrevem algo que é consenso para uma determinada comunidade. Assim, as afirmações podem ser verdadeiras ou falsas e quem está afirmando algo tem a responsabilidade de apresentar evidências que comprovem o que está sendo dito. Exemplos simples de afirmações são: “está chovendo lá fora”, “essa porta é de madeira”, “meu aniversário é dia 9 de novembro”.
Já as declarações tem o poder de criar um contexto novo. Através de nossas declarações podemos gerar uma nova realidade para nós e para os outros. E, diferentemente das afirmações, as declarações podem ser válidas ou inválidas, de acordo com a autoridade de quem as declara. Por exemplo, quando o padre diz: “Eu os declaro marido e mulher!”, isso transforma a relação a partir daquele momento. Ou, quando um país declara guerra a outro, uma nova realidade se cria.
Um tipo especial de declaração
Além disso, há um tipo especial de declaração que nós conhecemos muito bem, os chamados juízos, que são o resultado daquilo que julgamos. A questão aqui é que os juízos não são inocentes e estão muitas vezes relacionados com o sofrimento humano. Quando julgamos o outro, geramos uma expectativa sobre ele. E quando a pessoa não age de acordo com esse julgamento, isso gera um juízo contrário.
Se eu tivesse aprendido esses conceitos desde cedo, saberia que quando as pessoas dizem: “Você é muito responsável!”, isso é apenas uma declaração. Nesse caso específico, um julgamento que elas fazem a meu respeito. E não uma afirmação, uma verdade absoluta sobre quem eu sou, de fato. Sendo assim, ao longo da vida, eu poderia ter feito outras escolhas, com muito mais leveza e menos sofrimento. Não precisaria ficar o tempo inteiro me preocupando em dar evidências (com minhas ações) de que isso é verdade. Quanta carga há nisso!
Portanto, é extremamente libertador termos conhecimento sobre o poder da linguagem de criar mundos e não apenas de descrevê-lo, e nos compreendermos como seres linguísticos. Já que vivemos e nos relacionamos em redes de conversação. Assim, nossa capacidade de ação se amplia e passamos a escolher, de maneira mais consciente (tanto no âmbito pessoal, quanto profissional), o que queremos sustentar em nossas vidas. E o que queremos soltar ou mudar, porque consideramos que não nos serve mais e nos faz sofrer.
E você, também tem vivido alguma declaração como se fosse uma afirmação?
LUANA FONSECA é coach ontológica, autora do livro Pode Ser Melhor (Bambual Editora), e tem feito declarações com mais consciência do seu poder de criar novas realidades.
Texto originalmente publicado no Portal @vidasimples.