Qual o impacto dessa distinção em nossa vida?

Durante muito tempo vivi de acordo com um rótulo que me deram (minha família, professores, gestores…) e que eu também me dava, o rótulo de responsável. Confesso que achava até bonito esse título e me orgulhava dele. Era muito legal ser reconhecida como alguém que, desde muito nova, era responsável.

Meus pais nunca precisaram me mandar estudar porque eu mesma fazia isso. Colocava o despertador para tocar de madrugada porque gostava de estudar quando a casa estava em silêncio. E nunca precisaram me dizer coisas como: “Cuidado para não engravidar!” ou “Já está na hora de você arrumar um emprego!”, porque eu mesma tinha consciência dessas coisas e me julgava MUITO responsável.

O peso dos rótulos

Aos 18 anos, descobri uma uveíte (uma inflamação na camada média do globo ocular) e depois de uma longa bateria de exames, o médico diagnosticou que a causa era idiopática. Ou seja, desconhecida. Então ele disse que todos nós temos alguma parte do corpo que absorve tudo o que vamos acumulando: estresse, ansiedade, preocupação, etc. No meu caso, o olho. E, para minha surpresa, seu conselho foi: “Seja menos responsável! Permita-se fazer mais coisas da sua idade.” Aquilo foi incrível! Nunca imaginei que um adulto diria para uma jovem de 18 anos, algo desse tipo. Seja como for, esse episódio não mudou meu comportamento.

Anos mais tarde, a vida me trouxe uma nova oportunidade de reavaliar o título que carregava com tanto orgulho. Vivia um momento crítico. Estava no auge da minha carreira e muito infeliz no trabalho. Queria mudar completamente a rota, sem ter muita certeza de como seguir. E o tal rótulo era um grande peso. Como eu poderia, no melhor momento da minha trajetória corporativa, pedir demissão sem ter um outro emprego na manga? Que adulto faria isso? Seria muita irresponsabilidade, não seria?! Bem, minha resposta de hoje para essa pergunta é: Não! Mas naquela época não sabia o que sei agora. Eu não conhecia a diferença entre uma afirmação e uma declaração. E levava minha vida como se a declaração “sou responsável” fosse uma afirmação.

Afirmação x Declaração

Depois que criei coragem e pedi demissão, mergulhei em processos de autoconhecimento e fiz diversas formações. Dentre elas, estudei Coaching Ontológico (uma abordagem que compreende o ser humano como uma coerência entre linguagem, corpo e emoção) e foi nesse momento que consegui aliviar alguns pesos que  carregava há tempos.

Quando me aprofundei no estudo da linguagem e dos atos da fala, aprendi que as afirmações seguem a realidade. Em outras palavras, elas descrevem algo que é consenso para uma determinada comunidade. Assim, as afirmações podem ser verdadeiras ou falsas e quem está afirmando algo tem a responsabilidade de apresentar evidências que comprovem o que está sendo dito. Exemplos simples de afirmações são: “está chovendo lá fora”, “essa porta é de madeira”, “meu aniversário é dia 9 de novembro”.

Já as declarações tem o poder de criar um contexto novo. Através de nossas declarações podemos gerar uma nova realidade para nós e para os outros. E, diferentemente das afirmações, as declarações podem ser válidas ou inválidas, de acordo com a autoridade de quem as declara. Por exemplo, quando o padre diz: “Eu os declaro marido e mulher!”, isso transforma a relação a partir daquele momento. Ou, quando um país declara guerra a outro, uma nova realidade se cria.

Um tipo especial de declaração

Além disso, há um tipo especial de declaração que nós conhecemos muito bem, os chamados juízos, que são o resultado daquilo que julgamos. A questão aqui é que os juízos não são inocentes e estão muitas vezes relacionados com o sofrimento humano. Quando julgamos o outro, geramos uma expectativa sobre ele. E quando a pessoa não age de acordo com esse julgamento, isso gera um juízo contrário.

Se eu tivesse aprendido esses conceitos desde cedo, saberia que quando as pessoas dizem: “Você é muito responsável!”, isso é apenas uma declaração. Nesse caso específico, um julgamento que elas fazem a meu respeito. E não uma afirmação, uma verdade absoluta sobre quem eu sou, de fato. Sendo assim, ao longo da vida, eu poderia ter feito outras escolhas, com muito mais leveza e menos sofrimento. Não precisaria ficar o tempo inteiro me preocupando em dar evidências (com minhas ações) de que isso é verdade. Quanta carga há nisso!   

Portanto, é extremamente libertador termos conhecimento sobre o poder da linguagem de criar mundos e não apenas de descrevê-lo, e nos compreendermos como seres linguísticos. Já que vivemos e nos relacionamos em redes de conversação. Assim, nossa capacidade de ação se amplia e passamos a escolher, de maneira mais consciente (tanto no âmbito pessoal, quanto profissional), o que queremos sustentar em nossas vidas. E o que queremos soltar ou mudar, porque consideramos que não nos serve mais e nos faz sofrer.

E você, também tem vivido alguma declaração como se fosse uma afirmação?

LUANA FONSECA é coach ontológica, autora do livro Pode Ser Melhor (Bambual Editora), e tem feito declarações com mais consciência do seu poder de criar novas realidades.

Texto originalmente publicado no Portal @vidasimples.