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Mulher negra sorrindo enquanto conversa com sua amiga.

Quando falamos sobre cultura regenerativa, existem pilares essenciais para construir um novo mundo, pautado em respeito, cuidado e visão sistêmica. Dentre eles, a comunicação não violenta se destaca como uma das técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais.

Entender o que é a linguagem não agressiva ou comunicação autêntica, como aplicá-la na sua vida e quais seus benefícios em âmbito pessoal e social ajudam a construir ambientes pautados, principalmente, em amor, compaixão e colaboração. 

Para tratar sobre o tema, conversamos com a facilitadora e escritora Cristina Lobato, profissional que aplica as técnicas de comunicação não violenta em sua vida pessoal e organizacional. 

Cristina também é escritora do livro Ciranda do Ser, uma narrativa infanto-juvenil sobre linguagem não agressiva, e já redigiu um texto sobre relações familiares e comunicação não violenta para o nosso blog!

Continue a leitura e tire suas dúvidas sobre a pauta e sobre como praticar a linguagem não violenta.

O que é comunicação não violenta? 

Teorizado pela primeira vez pelo americano Marshall Rosenberg, o termo se refere ao desenvolvimento e à utilização de uma linguagem com foco nos sentimentos e nas necessidades de quem compartilha (o emissor) e de quem ouve (o receptor) determinada mensagem.

A comunicação não violenta (CNV) é um processo que se estende para além da fala, de forma a adaptar nossos pensamentos, nosso posicionamento no mundo e nossa tomada de decisão. Ela parte do pressuposto, também descrito por Marshall, que todos os seres humanos são repletos de compaixão e, por isso, constrói interações pautadas em como os integrantes se sentem.

Cristina Lobato conta que, para entender a linguagem não agressiva de forma lúdica, podemos estabelecer a metáfora de uma árvore. Partindo deste ponto de vista, a CNV possui a raiz principal na conexão (entre o eu e o outro). O tronco é ilustrado como a maneira escolhida para desenvolver e expressar essa união (como a linguagem), enquanto os galhos são compostos de empatia e de autenticidade, que guiam a forma como nos comunicamos com outras pessoas.

Mulher de cabelos grisalhos e camisa branca conversando em uma mesa com outras.
O ato de ouvir o que os outros têm a dizer com atenção e empatia é um dos pilares da comunicação não violenta.

Quando ouvimos os outros com base na empatia e nos expressamos com autenticidade, começamos a estimular potências – na nossa vida e nas demais –, que podem ser entendidas como felicidade, colaboração, e formas de que cada um esteja no mundo se sentindo bem.

Praticar a comunicação não violenta pode, ainda, estabelecer o poder com (com o outro, com o coletivo, com a comunidade, conosco, inclusive) e desenvolver ambientes em que cada pessoa desenvolva sua própria potência por se sentir à vontade e respeitado. De acordo com Cristina, as relações de poder que dominam e levam à submissão se enfraquecem conforme o uso da CNV.

O poder com está conectado com o fomento da potência no outro, já que objetiva desenvolver, em conjunto, a participação e a autonomia de cada indivíduo. Vínculos em que determinada pessoa está acima da outra passam a se horizontalizar e, por meio da comunicação não ofensiva, desenvolvemos sentimentos de sinergia.

A utilização da CNV coloca a linguagem como um elemento de revolução ao entender que ela é responsável pela construção de sentimentos que podem empoderar as pessoas e transformar a forma como lidamos com o coletivo.

Outro ponto importante sobre a comunicação não violenta comentado por Cristina está no fato de que ela desenvolve a alfabetização emocional, ou seja, a ampliação de um repertório de palavras para expressar diferentes sentimentos.

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Ela prega um caminho de reconexão com um lado mais emocional e empático, característico da infância, em que conseguimos identificar com mais clareza sentimentos (sejam eles positivos ou negativos).

Conforme observamos o que expressamos, passamos a perceber que as mensagens emitidas geram sensações e sentimentos que podem, inclusive, machucar o outro. A CNV vem, portanto, para evitar essas situações.

Dessa forma, criamos uma revolução com base no amor, aplicando mudanças individuais que repercutem à nossa volta e em todos os âmbitos nos quais estamos inseridos (profissional, pessoal, familiar, entre outros).

Como aplicar a comunicação não violenta no dia a dia?

Entendendo o que é a comunicação não violenta, é preciso compreender como torná-la cotidiana. Em nossa conversa com a Cristina Lobato, essa foi uma pauta importante, tendo em mente que ir da teoria para a prática nem sempre é tão simples.

Segundo a facilitadora, o primeiro passo para a aplicação da CNV é assumir a responsabilidade pelo que você pensa e sente. Além disso, é preciso entender que as falas geram emoções no outro quando recebidas.

Mulheres conversando com expressão calma e tranqula.
Entender que somos responsáveis por como nos expressamos ajuda a iniciar o processo para uma comunicação não violenta.

Podemos estabelecer, ainda, uma conexão entre essa responsabilidade e o viés inconsciente por trás de cada personalidade. Basicamente, muitas atitudes humanas geram sentimentos que nem sempre queremos ter. 

Quando admitimos que, como seres humanos, vamos provocar sensações em quem está à nossa volta, torna-se mais simples compreender que precisamos cuidar do que falamos para não causar algo negativo ao outro.

Cristina também pontua que o uso da CNV começa anteriormente ao ato de falar: ela parte da ressignificação da forma como pensamos e das palavras que escolhemos usar, o que poderíamos entender como tomada de decisão.

Para ilustrar esse processo, podemos criar um paralelo com expressões racistas existentes na língua portuguesa do Brasil, como “criado-mudo”. A percepção de que o termo gera incômodo em pessoas pretas deve vir com a escolha de cortá-lo do dicionário pessoal para praticantes da comunicação não violenta.

Vale, ainda, realizar uma pesquisa de palavras que possuem cunhos preconceituosos e deixar de usá-las. Dessa forma, criamos ambientes e relações mais saudáveis e respeitosas para todos.

4 componentes da comunicação não violenta

Segundo Cristina Lobato, existem quatro componentes que auxiliam a aplicação da comunicação não violenta na vida íntima. Utilizá-las é simples e, com o tempo, vai se tornando parte da rotina.

1. Checagem

Também conhecida como espelhamento, observação ou chute empático, a checagem consiste em confirmar como determinada pessoa está se sentindo enquanto a interação acontece. A pergunta mais comum para ser feita nesses momentos é “você está feliz?”, uma forma de dar abertura para que o outro se expresse.

Questionar se determinado termo causa desconforto também é uma forma de colocar a checagem em prática. Assim, consegue criar enunciados que não causem desconforto.

2. Responsabilização

A responsabilização é uma forma de, como o próprio nome sugere, comprometer-se com o que está sendo dito. Para que seja feita de forma mais direta, o falante precisa construir enunciados na primeira pessoa. Evite generalizações e falas que coloquem o foco da narrativa no “nós” e, sim, em como você se sente e quais suas necessidades na relação em que está.

3. Sistema de apoio

Praticar a comunicação não violenta significa, também, expor mais seus sentimentos e precisar lidar com os sentimentos das outras pessoas, algo que pode ser desconfortável em ambas situações. Por isso, durante o processo, é comum se sentir sensível. Contar com ajuda terapêutica e com grupos de apoio mútuo  pode ajudar a lidar com as emoções que surgem e com as transformações pessoais que a CNV causa.

Roda de conversa constituída por várias pessoas.
O grupo de apoio te ajuda a lidar com as emoções e a treinar a comunicação não violenta.

Existem também grupos de prática da linguagem não agressiva, que estimulam  iniciantes a compreendê-la e inseri-la na sua vida pessoal, como o desenvolvido pelo Instituto Nhandecy, em Curitiba, e criado após um encontro entre a Rede CNV Brasil e Educação Gaia Paraná.

4. “Como você está?”

A pergunta de ouro dentro da comunicação não violenta pode até parecer simples, mas vem junto de um convite amistoso e genuíno para que as pessoas compartilhem seus sentimentos efetivamente e digam quais suas necessidades naquele momento, além de criar conexões pautadas em afeto, empatia e carinho.

Boas práticas para começar na comunicação não violenta

Um bom exemplo para começar a praticar a comunicação não violenta é, como comentado, realizar uma pesquisa sobre termos e construções preconceituosas dentro do próprio Google. Dessa forma, descobre o que deve ser cortado do seu dicionário pessoal para respeitar e não ferir outras pessoas.

Existem inúmeras palavras racistas, homofóbicas, capacitistas e machistas dentro da língua portuguesa do Brasil. Evidentemente, é impossível decorar todas elas e deixá-las de lado de imediato, porém, com o tempo, elas vão cair em desuso de forma natural.

Fazer uma listinha com esses termos também é uma ideia. Coloque na bolsa ou até na capinha do celular e carregue com você para os lugares que for para que sempre consiga lembrar-se do que não utilizar.

No começo, não tenha receio de pedir desculpas. Depois de anos falando sem cuidados, é comum deixar passar algumas construções. Corrija-se em seguida, peça desculpas e, com certeza, as pessoas notarão que você está no caminho para aprender.

Ouvir relatos pessoais também é uma ótima prática e pode ser desenvolvida com o uso do “como você está?”. Cristina comenta como, certa vez, uma mulher negra disse para ela que o uso de “esclarecer” a incomodava e, desde então, a facilitadora trabalha para não usar mais este verbo.

Com esses primeiros passos, você consegue desenvolver cada vez mais uma linguagem que seja menos violenta, respeitando a diferença singular em cada existência. 

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